quinta-feira, 30 de junho de 2011

A PERFORMATIVIDADE DO CORPO: O LIMITE DO BINARISMO SEXUAL




Diogo França

O corpo não pode ser apenas limitado pela sua forma, mas sim o corpo é o que representamos dele em gestos, formas, atitudes enfim em sua múltipla apresentação, desta forma pensamos no gênero metaforicamente como um molde para o corpo, onde “a diferença sexual é freqüentemente evocada como uma questão referente a diferenças materiais”- o corpo -, logo “a diferença sexual, [...] é uma função de diferenças materiais que não sejam, simultaneamente marcadas e formadas por práticas discursivas” (LOURO, 2000).

Logo entende-se gênero por um conjunto de características sociais e históricas do ser humano, não são somente idéias, mas remete-se “também a instituições, a estruturas, a práticas cotidianas e a rituais, ou seja, a tudo aquilo que constitui as relações sociais” (GROSSI, 1998, p. 05). Enfim gênero serve, portanto para determinar tudo o que é cultural e historicamente determinado em uma sociedade.

Os corpos não têm diferenças materiais, e também não somente discursivas, “o sexo não apenas funciona como uma norma, mas é parte de uma prática regulatória que produz os corpos que governa”. Assim, o sexo é um meio pelo qual normas regulatórias se articulam estruturando práticas das quais “o discurso produz os efeitos que ele nomeia”, essas normas produzem performances que constituirão a materialidade do corpo, “mais especificamente, para materializar o sexo do corpo [...] a diferença sexual a serviço da consolidação do imperativo heterossexual”. Tais práticas, movimentos, e essa fluidez do corpo em suas performances caracterizaram a diversidade das identidades de gênero e a segregação pelo imperativo heterossexual circunscrito na norma sexo/corpo (LOURO, 2000).

Nessa perspectiva vemos o sexo como uma norma que viabiliza o sujeito, Louro (2000) vem afirmar que não podemos entender gênero como uma construção cultural que simplesmente é imposta na superfície da matéria - o corpo - pois o corpo em sua materialidade não pode ser pensado separado da norma que regula a performance do sexo, o sexo, então “é aquilo que qualifica um corpo para a vida no interior do domínio da inteligibilidade cultural.”

Para Butler

“[...] não há possibilidade de acessar o corpo em sua materialidade, uma vez que o corpo está, desde o início, ‘aprisionado’ em uma rede de significados e valores que contribuem para formar o contorno físico do próprio corpo. O gênero é parte dessa estrutura, quando não a matriz de todas as estruturas. O gênero vem antes da possibilidade de um ‘eu’, é um tipo de portão para a realidade, pelo qual passam os seres humanos para alcançar a humanidade completa” (GUARALDO, 2007).

Logo nesse viés o binarismo do sexo não deixa espaço para outras identidades de gênero, tornando os sujeitos inviabilizados, assim sujeitos são corpos dinâmicos e instáveis, produtos de uma fantasia que Butler entende como liberdade. Logo “nenhum indivíduo torna-se sujeito se não foi antes sujeitado ou passou pelo processo de subjetivação”, desta forma sujeitos inviabilizados pelo binarismo transitam entre essas duas esferas demarcando de forma paródica os sexos – drags, transgêneros etc (GALLINA, 2006).

Desta forma os discursos produzidos/reforçados em instituições diversas produzem e regulam o corpo criando formas performáticas, assim “a performatividade não é, um ‘ato’ singular, pois ela é sempre uma reiteração de uma norma ou conjunto de normas e na medida em que ela adquire o status de ato no presente, ela oculta ou dissimula as convenções das quais ela é uma repetição”, ocultando as normas que regulam e produzem tais performances (LOURO, 2000).

Logo temos o sexo como práticas que moldam os corpos, implicitamente – ou não – sujeitando-nos, assim:

A força e a necessidade dessas normas (o "sexo" como uma função simbólica deve ser entendido como uma espécie de mandamento ou injunção) é, assim, funcionalmente dependente da aproximação e da citação da lei; a lei sem sua aproximação não é lei ou, ao invés disso, ela permanece uma lei governante apenas para aqueles que a afirmariam com base na fé religiosa. Se o "sexo" é assumido da mesma forma que uma lei é citada, então a "lei do sexo" é repetidamente fortalecida e idealizada como a lei apenas na medida em que ela é reiterada como a lei, produzida como a lei — o ideal anterior e não-aproximável — pelas próprias citações que ela diz comandar. [...] A lei não é mais dada em uma forma fixa, anteriormente à sua citação, mas é produzida através da citação, como aquilo que precede e excede as aproximações mortais efetuadas pelo sujeito (LOURO, 2000).

Com isso pensamos na distinção sexual como uma generalização ‘do corpo’, através dessas normas/leis ‘o copo’ se torna meio passivo, “que é significado por uma inscrição a partir de uma fonte cultural representada como ‘externa’ em relação a ele (BUTLER, 2009).

Através dessa discussão sobre o corpo podemos pensar sobre como o binarismo sexual restringe o ser, como as práticas masculinas e femininas não deixam espaço para a caracterização em assumir uma ‘interpretação’ do corpo diferente desse binarismo, Leão (2009) trás uma fala de Butler onde, vê-se que a naturalização da heterossexualidade leva a perceber que “somente os sujeitos construídos/conformados de acordo com as normas seriam representados politicamente”, assim sujeitos fora dessa dita “normalidade” não teriam representação política. Vemos com isso que o binarismo sexual e a heteronormatividade compulsória restringe as performances ‘do corpo’, é nesse viés que aparecem as identidades paródicas como as drags queen, transgêneros etc.

Temos de observar o binarismo sexual, também permeando amplos eixos de poder na sociedade estando intrínseco nessas relações dominantes, que antes de tudo precisamos compreender esses eixos onde tais performances se articulam, assim Butler (2009), trás sobre o binarismo sexual em que o “masculino/feminino constitui não só a estrutura exclusiva em que essa especificidade pode ser reconhecida, mas [...] uma vez totalmente descontextualizada, analítica e politicamente separada da constituição de classe, raça, etnia e outros eixos de relações de poder”, desta forma não devemos separar ‘o fazer’ desses corpos que atuam junto a toda essa teia de relações ‘normais’ que constituem o ser humano, pois é através também do gênero que constitui essa matriz do corpo tornando-nos seres humanos completos onde a possibilidade do ‘Eu’ só é concreta através desse portão para realidade – o gênero, que está engessado nesse binarismo (GUARALDO, 2007).

Louro (2004) vem afirmar o binarismo sexual que limita ‘o ser’ mesmo antes de existir um ‘Eu’:

“[...] O corpo, o ‘caráter’, a identidade, o modo de ser e de estar... Suas transformações vão além das alterações da superfície da pele, do envelhecimento, da aquisição de novas formas de ver o mundo [...] corpos e identidades em dimensões aparentemente definidas e decidas desde o nascimento (ou até mesmo antes dele). A declaração ‘É uma menina!’ ou ‘É um menino!’ [...] instala um processo que, supostamente, deve seguir um determinado rumo ou direção. A afirmativa, mais do que uma descrição, pode ser compreendida como uma definição ou decisão sobre um corpo [...] que é baseado em características físicas que são vistas como diferenças e as quais se atribui significados culturais” (LOURO, 2004, p.15).

É esse conjunto de especificidades que irá determinar as performances do corpo, desde antes do nascimento já estamos limitados pelos caracteres sexuais de macho e fêmea que irão ditar qual papel social devemos – supostamente – seguir, é com todo esse aparato ‘sexual’ que irá determinar os nossos fazeres, é todo esse aparato que irá determinar quem domina e detém o poder, quem irá ser sujeitado, com tudo isso as identidades paródicas surgem desconfortando e criticando esse conjunto binário, confundindo o ser homem e o ser mulher, uma drag quee desconforta esses limites, ela transpõem e confunde o que é ser um homem o que é ser uma mulher, onde vai o limite do corpo masculino e começa a performance do feminino confundindo corpos e produzindo fazeres “sua figura passa a indicar que a fronteira está muito perto e que pode ser visitada a qualquer momento” assim a drag quee é mais de um gênero em um corpo, são identidades ambíguas “em sua sexualidade e em seus afetos”, ela é um nômade no campo do gênero viajando transitoriamente, deliberadamente desconfortando o binarismo masculino/feminino (LOURO, 2004).

Enfim, precisamos compreender as performances do corpo, compreender o próprio corpo como anterior a esse binarismo, precisamos ter uma visão sócio-histórica do corpo, como produto de sociedades, crenças e fazeres que de tempo em tempo se modificam, devemos compreender o corpo com um atributo dinâmico, Butler apud (LOURO, 2004, p.79) afirma que “os discursos ‘habitam corpos’, que ‘eles se acomodam em corpos’ ou, ainda mais contundentemente, que ‘os corpos, na verdade, carregam discursos como parte de seu próprio sangue’” assim as performances do corpo devem ser pensadas nas culturas que estão mergulhados, no período histórico que se encontra. Enfim não devemos nos limitar a vislumbrar o corpo e seus movimentos apenas através do ‘molde’ do masculino/feminino, precisamos repensar esses limites e dar visibilidade a diferentes movimentos do corpo.

Se pensarmos nas cortes os corpos masculinos eram carregados de trejeitos efeminados, onde quão mais efeminado mais charmoso era, outrora a plebe os homens eram rústicos, isso marca bem o que Butler (2009) traz quando alega que:

“o gênero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções com modalidades raciais, clássicas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente construídas. Resulta que se tornou impossível separar a noção de gênero das interseções políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida (BUTLER, 2009, p. 20).

Com isso podemos observar que em uma mesma época existiam comportamentos diferentes para o mesmo gênero, performances do corpo masculino que chegavam ao limiar do feminino e nem por isso eram segregados esses comportamentos, mais uma vez podemos afirmar que os comportamentos de gênero delimitam as performances do corpo e o binarismo sexual limita, engessa essas performances. Conclui-se, então que o binarismo sexual segrega indivíduos, tornando-os transgressores, por não seguirem a norma masculino/feminino.

REFERÊNCIAS

BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 3. Ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2009.

GALLINA, Justina Franchi. Pós-feminismo através de Judith Butler. Rev. Estud. Fem.[online]. v.14, n.2, p. 556-558, 2006.

GROSSI, Miriam Pillar. Identidade de gênero e sexualidade. Florianópolis: Editora da UFSC, 1998.

GUARALDO, Olivia. Pensadoras de peso: o pensamento de Judith Butler e Adriana Cavarero. Rev. Estud. Fem. [online]. 2007, vol.15, n.3, pp. 663-677.

LEÃO, Inara Barbosa. Contribuições da psicologia de Martín-Baró para o entendimento da violência contra os grupos sociais de sujeitos Homoafetivos, 2009. Disponível em: http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_XVENABRAPSO/81.%20contribui%C7%D5es%20da%20psicologia%20de%20mart%CDnbar%D3%20para%20o%20entendimento%20da%20viol%CAncia%20contra%20os%20grupos%20sociais%20de%20su.pdf. Acesso em: 13/02/2011.

LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

2 comentários:

William Malinverni disse...

Otimo Post Diogo!!
Realmente essas normas que sao de certa forma impostas a todos desde o momento do nascimento, distorcem e confundem o ser em desenvolvimento do ser na criacao do Eu, para os considerados Heterossexuais essas normas sao levadas de forma natural, mas para os que nascem com tendencias Bi, homo, trans estas normas implicam em uma serie de transtornos que em muitos casos demoram anos para serem eliminados. Um exemplo seria: voce mostrar a uma crianca (menino) heterossexual uma boneca e um carrinho e perguntar com qual ele TEM que brincar...ele afirmara o carrinho...sem questionamento interior em momento algum. Mas se o mesmo ocorrer para determinado homossexual ou trans. ele ira se questionar entre o que ele deve e o que ele quer...e assim se iniciam, mesmo em tenra idade, os diversos disturbios, transtornos e descaminhos que se pode encontrar em um individuo. Esta na hora de mudar essas normas para uma aceitacao das diversas formas de Ser que se existe, nao discriminando o diferente por nao segui-las.
=D parabens diogo continue assim

MENTES INQUIETAS disse...

Parabens Diogo gostei da materia, mas que pena que ter buscar nas diversas ideias e colocações literarias, para uma explicação dos diferentes modos de ser do ser humano.